Não lhe era muito chegada, apenas dessas amizades de circunstância que se fabricam por frequentar os mesmos bares, gostar da mesma música, de uma certa estética dos anos 50. Nunca lhe perguntei o que era estar dentro da cabeça dela e julgo que ela própria tivesse dificuldade em explicar. Não aguentou ser mais ela. Podemos sempre ser outra pessoa. As possibilidades são infinitas quando se pensa chegar ao fim da linha. Mas ela não pensou que assim fosse. É trágico. Viveremos com isso de uma maneira ou de outra.
Demasiado fria? Sem dúvida. Apenas porque há acontecimentos ainda frescos na memória e se por um lado eles serviram para a formação de uma espécie de capa protectora que me permite neste momento criar uma certa distância, quase indiferença em relação à sua morte, por outro lado noto que venho a desenvolver cada vez mais uma certa paranóia, um medo irracional.
O teu atraso de uma hora em relação ao combinado transforma-se num acidente medonho na A29, sangue e destroços por todo lado. Imagino-a a ela a atravessar a estrada sem olhar e a morrer-me nos braços. Um acidente de avião, um enfarte, um assalto para tantos outros. E se ao longo dos anos fui amadurecendo a minha visão da morte e de como lidar a sua inevitabilidade, parece-me neste momento, e depois de ser confrontada com ela, que caiu tudo por terra.
E no Sábado fui ao Imaginarius. E encontro o Tiago e o Duarte. Fiquei cabisbaixa. Ao perguntares-me o que se passava respondo que eles estão ligados a um episódio triste da minha vida. Não parecia. Pois não...somos assim, a maneira de lidarmos com as memórias que nos assolam sempre que nos vemos é relativizar a coisa. Secalhar somos até efusivos demais. E passado dois minutos, eu ainda no meu mood cabisbaixo e passa o Gusta, ligado também a esse episódio triste. E o universo é uma merda, porque não se devia permitir a este tipo de coincidências caprichosas. Mas como dizia o outro, o universo é indiferente. A minha sanidade, infelizmente, não o é.